GI Joe – 60 Anos! – Parte 3
Dando continuidade às festividades dos 60 anos do GI Joe, comemorados neste último dia 2 de fevereiro, vamos tratar da ressurreição da marca, encerrada em 1977-78 com uma baixa nas vendas decorrente das crises econômicas seguidas que fizeram sofrer os Estados Unidos e o mundo nos anos 70, como a Crise do Petróleo e a recessão da segunda metade de década. A crise foi tamanha que a Hasbro esteve à beira da falência entre 1978 e 1979. Mas deu a volta por cima com o jogo Hangry Hungry Hippos, (Hipopótamos Comilões no Brasil). E ainda hoje o jogo é vendido, inclusive, no Brasil.
A Era Reagan
Como o mundo não gira, capota, as coisas mudaram muito para os EUA e o mundo em quatro anos. O governo Carter, além da enorme crise econômica, enfrentou a crise dos reféns da embaixada em Teerã, coisa da Revolução dos Aiatolás. Então veio a eleição para presidente e a população lá manifestou sua insatisfação geral trocando o democrata Jimmy Carter pelo republicano Ronald Reagan. Como todo bom republicano, conservador e ex-militar, investiu pesadamente nos militares e em políticas de enfrentamento ao comunismo, acirrando a bipolaridade no início da década.
O investimento na imagem dos militares era importante e, também, depois de quase uma década, o ranço dos acontecimentos do Vietnã estava passando. E era entendido pela população que se as coisas estivessem em sua normalidade, os fiascos seguidos no Oriente Médio, não teriam acontecido, como o fracasso no resgate dos reféns.
Mas o clima estava melhor e já no começo do governo Reagan o otimismo começou a melhorar a economia. É do Reagan a frase “o melhor programa social é um emprego”, justificando seus cortes em programas sociais e outros planos para melhorar a economia, como diminuição dos impostos e afrouxamento de regulamentações ambientais e econômicas. São medidas dicotômicas em seus resultados, pois apresentaram resultados ambíguos. Mas não é esse o nosso foco.
Vamos focar que havia um otimismo e o choque do Vietnã estava passando e, por isso, em 1981, a equipe da Hasbro resolveu que era uma boa hora de trazer o GI Joe de volta. Mas... como?
O Fenômeno Star Wars
Em 1977, o mundo conheceu a fábula espacial, a space opera de George Lucas, Star Wars. Fortemente focada no Mito do Herói embutido na psique coletiva, como explica o Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, o filme abre o portal para uma galáxia muito, muito distante, nos apresentando personagens que se fixaram na cultura pop, como Luke Skywalker, Han Solo, Princesa Leia e Darth Vader. Isso foi 25 de maio de 77.
Um caso raro na indústria do cinema na época, George Lucas fechou um contrato com a Fox abrindo mão de seus vencimentos na distribuição do filme, mas mantendo os diretos sobre a marca Star Wars, sua criação. Não tendo certeza do sucesso e entende que seu negócio era a distribuições e o recebimento de ingressos, a Fox concordou. Assim, a Fox não teria participação em royalties de qualquer produto Sar Wars e os lucros dos produtos paralelos seriam todos de George Lucas que, num case de marketing estudado até hoje, licenciou os mais diversos produtos com a marca, de vestuário à decorações de festa, de chaveiros à decoração, o que lhe rendeu uma fortuna depois.
A linha de brinquedos foi licenciada por George Lucas para a Kenner, pois as grandes empresas, como Mattel, Hasbro e até a Mego, não quiseram investir em um filme de um principiante e de um tema que era pouco apreciado na época, o Sci-Fi. No entanto, com o sucesso inesperado do filme, os brinquedos sumiram das prateleiras. Aquelas figuras simples de 5 pontos de articulação caíram nas graças das crianças e a fila de espera só crescia, pois, a Kenner não conseguia produzir na escala do consumo, chegando a ponto de vender os vouchers para retirar os brinquedos nas lojas até o Natal.
Essa febre, mais essas figuras em escala menor, cabiam mais no bolso do cidadão em virtude das crises da época. E, talvez, até pelo clima da época, a epopeia de Star Wars tenha feito tanto sucesso: as pessoas precisavam de mais heróis, heróis que, de alguma forma, se identificassem com o inconsciente coletivo. Mas isso é piração minha.
O fato é que a coleção de brinquedos de Star Wars foi um sucesso tão grande que a as empresas de brinquedos, cada uma delas, queria ter sua própria linha de sucesso, como Star Wars. E a escala, o 1:18, o 3 ¾” (três três quartos de polegada) ou 3.75” (três setenta e cinco polegadas) meio que virou um padrão: figuras pequenas, mais baratas e com a possibilidade de veículos menores, mais baratos e, assim, cabendo nos bolos apertados dos pais dos anos 70 e 80. Mego e outras empresas criaram várias figuras nessa escala para séries de TV e filmes, algumas com algum sucesso.
E claro, vendo isso tudo acontecendo, e tendo uma marca tão boa na gaveta, os cabeças da Hasbro decidiram que era hora de tentar trazer o GI Joe de volta.
The Real American Hero
Com a volta da confiança do povo dos EUA em suas Forças Armadas, um crescente espírito patriótico, mais a febre pelos Star Wars da Kenner, a equipe de criação da Hasbro, composta pelo vice-presidente sênior de brinquedos para meninos, Bob Pruprish, o gerente de produtos, Kirk Bozigian, Ron Rudat, o designer de quase tudo de GI Joe na época, apresentou a proposta de trazer de volta o GI Joe ao Stephen Hassenfeld, o filho do Merril Hassenfeld, que assumiu a presidência depois da aposentadoria do pai e, pouco depois, em 1979, Merril falece, sem ver a volta do seu amado GI Joe.
Kirk Bizigian
Ron Rudat
A nova ideia não era trazer o GI Joe de 30 cm, 1/6, mas trazer na mesma escala do maior sucesso da época, o Star Wars, que estava na escala 1/18, o 3 ¾ de polegada, ou 3,75 pol, como alguns preferem. E isso foi ideia do Bob Prupish, vendo que muitas linhas de brinquedos saíram nessa escala na época, por diversas empresas, como a Mego e a Galoob. A Mego, nessa escala, criou as coleções de Chip’s em 81 e, antes disso, The Black Hole(1979), Buck Rogers (1979) e Pocket Heroes (1979-80). Claro, todas na esteira dos Kenners.
Chip's da Mego 1/18
The Black Hole, Mego 1/18
Pocket Heroes, Mego 1/18
Buck Rogers, Mego 1/18
Mas as figuras da Kenner tinham apenas cinco pontos de articulação. Não era suficiente para o GI Joe. Por isso, para garantir mais “ação” por porte das figuras, resolveram copiar outra linha de figuras que estava no mercado. Então eles pegaram algumas figuras Chip’s (lembra da série do Chip’s? Tá ouvindo a música na sua cabeça nesse momento?) e moldaram alguns detalhes, pintaram de verde e mostram em uma apresentação, com participação do Steve D’Aguanno, Gerente de pesquisa e desenvolvimento de brinquedos para meninos da Hasbro na época. Diz a história que ele fez uma imitação de General Patton para apresentar a ideia. E o Stephen disse “não” e deu duas semanas para melhorar e tentar novamente com uma proposta mais robusta.
Joe Bacal e Tom Griffin, da Griffin-Bacal, a agência de publicidade da Hasbro, junto da equipe toda, perceberam que o GI Joe não tinha um filme de sucesso no cinema como Star Wars e nem uma série de TV, como Chip’s ou Buck Rogers. E havia, no começo dos anos 80, uma regulamentação de propaganda de produtos infantis que não permitia mais que que 7 segundos de animações ou efeitos especiais, obrigando que o restante do tempo fosse demonstrando o produto em si. Então o Joe Bacal foi até a Marvel Comics, lembrando que não havia nenhuma lei que regulamentasse propaganda de vendas de quadrinhos pois, afinal, são produto cultural, livros com desenhos para contar uma história, e já tinham estrada com histórias animadas. Assim, a Hasbro faria o comercial do quadrinho, e não do brinquedo. E o quadrinho seria o comercial do brinquedo. Foi o primeiro caso desse tipo de marketing, que depois foi copiado por outras linhas da própria Hasbro, como Transformers, M.A.S.K., Visionaries, e por outros fabricantes.
Essa nova forma de vender foi apresentada, junto com o novo jingle, que viria a ser a abertura do desenho animado anos depois, e Stephen aprovou.
Então, o Ron Rudat começou a criar a o visual dos personagens e veículos. Mas eles não tinham nomes. Isso ficou com a Marvel. Foi o Mike Hobson, editor da Marvel, que aceitou a negociação de criar uma revista em quadrinhos para a Hasbro vender brinquedos e, de quebra, ter uma propaganda de televisão de um quadrinho com a marca Marvel. Jim Shooter, editor da Marvel na época, que ajudou a criar o conceito que orientou Ron a criar os visuais: seria uma unidade com os melhores soldados, marinheiros, aviadores, melhores fuzileiros e, quando ninguém mais pudesse resolver, chamariam o GI Joe.
Assim, foram criados os designs e, possivelmente, os traços básicos de personalidade dos primeiros personagens. E aí entra o Larry Hama, o escritor dos quadrinhos desde o primeiro e, depois, criador dos filecards dos personagens. E temos os primeiros 13 GI Joes, agora, desde o início da marca, com nomes e atividades específicas:
· Hawk – General e comandante, operador do MMS, o lançador de mísseis
· Scarllet – Agente especialista em infiltração e artes marciais
· Rock’N Roll – Soldado “metralhador”
· Grunt – Infantaria
· Breacker – Comunicações
· Stalker – Ranger
· Zap – Especialista em explosivos
· Flash – Atirador Laser e tecnologias
· Short-Fuse – Soldado morteiro
· Clutch – Motorista do jipe VAMP
· Steeler – Motorista do tanque MOBAT
· Grand Slam – Piloto do JUMP
· Snake Eyes – Comando
A coleção de 1982. Fonte: Internet
Aqui cabe uma curiosidade: com a pressão de cortar custos, surgiu uma demanda de cortar uma cor na pintura das figuras, mas acreditou-se que isso iria comprometer a qualidade visual do produto final. Dessa forma, alguém teve a ideia de deixar uma figura totalmente sem pintura e, assim, cortar os custos como demandado, sem comprometer a coleção toda. E a figura escolhida foi o Snake Eyes. A dúvida se a figura seria aceita, foi resolvida quando se tornou a mais vendida.
Numa reunião com a Marvel, apresentando os designs e tudo definido, a pergunta “contra quem eles vão lutar?” surgiu. E ninguém na Hasbro havia pensado nisso, eles acreditavam que as crianças poderiam usar outros brinquedos como inimigos. E foi outro editor da Marvel da época, o Archie Goodwin, que sugeriu que o GI joe poderia lutar contra Cobra, no que, sim, foi um improviso numa reunião. Então se voltaram os esforças para criar uma equipe inimiga. Foi Ron Rudat que criou o logo Cobra. E, assim, o GI Joe finalmente, desde sua criação, passou a ter um inimigo de verdade.
Ter um inimigo, no caso uma organização terrorista que desejava dominar o mundo, foi crucial para o sucesso, tanto dos quadrinhos quanto dos brinquedos. Era um mundo polarizado, com os EUA como a força do bem e... bom... os outros, como as forças do mal, no caso, a União Soviética. A Organização Cobra vem a antagonizar as duas potências, mas claramente usa as armas do Bloco Comunista, como o AK-47 e o RPG, numa alusão ao arsenal que 90% dos terroristas do mundo usavam(usa), mas com um visual muito calcado no Alemanha nazista.
Tudo pronto para o lançamento em 1981, a Hasbro resolveu adiar por um ano por conta do lançamento de O Império Contra Ataca e sua arrasadora linha de brinquedos nova e ampliada. Dessa forma, a equipe toda teve mais um ano para se preparar
Larry Hama acabou se mostrando a escolha certa, como veterano do Vietnã. E para organizar as ideias, começou a criar as fichas de cada personagem para melhor preparar as histórias em quadrinhos. Ficou tão interessante que as fichas começaram a fazer parte das embalagens, descrevendo para as crianças cada um dos personagens em uma versão resumida que ficou conhecida como “filecard”, hoje uma coisa tão colecionável quanto as figuras.
Larry Hama, Escritor, veterano, ator e músico
A proposta consolidada era que, nesse momento, toda a coleção poderia ser adquirida por um total de 100 dólares. E isso era muito dinheiro, mas ao mesmo tempo ainda era algo razoável para uma coleção inteira, e era mais barato do que qualquer coleção GI Joe lançada anteriormente para um único ano, proporcionalmente. No primeiro ano, 1982, GI Joe faturou 51 milhões de dólares, vendeu mais de 400 mil MOBATS. Bateu os 100 milhões de dólares em 1983.
O sucesso dos quadrinhos foi enorme. O sucesso da linha de brinquedos, mais ainda. Mas uma coisa chamou a atenção: a qualidade das propagandas dos quadrinhos era muito boa e criou uma demanda por uma série animada. O próprio Stephen Hassenfeld gostou da ideia e liderou a campanha para isso, pensando que, se o quadrinho criou uma demanda, o que não faria uma série animada. Assim, a produtora Sunbow foi convocada a criar uma minissérie para medir a aceitação, que foi estrondosa e, depois, uma série completa. Duas temporadas, um total de 65 episódios. E tínhamos uma série de comerciais de brinquedos de 23 minutos.
Depois vieram duas temporadas de desenhos pela produtora DIC, mas sempre se pensou que a qualidade dos roteiros caiu nessa fase. De fato, na DIC, as histórias eram mais infantilizadas.
A linha de brinquedos foi um sucesso tão grande que a Hasbro teve coragem de lançar o maior playset, o maior brinquedo já projetado para uma linha de produção na história: o USS Flagg, o porta-aviões do GI Joe. Custando US$ 109,99 e tendo 2,30m, era enorme e o desejo de 10 entre 10 colecionadores hoje, como era o de 10 entre 10 crianças em 1985.
Em 1989, de forma inesperada, Stephen morre e comando da Hasbro passa para seu irmão, Alan.
Stephen(esquerda) e Alan Hassenfeld
Com o fim da União Soviética, mais mudanças de mercado e, veja, a compra da Kenner pela Hasbro, o quadro mudou novamente. A absorção da Kenner pela Hasbro obrigou a uma reestruturação, inclusive como parte do acordo. A equipe de criação do GI Joe foi dispersada a partir de 91, ano da compra da Kenner. Coincide com a época em que os brinquedos começaram a ficar mais coloridos e menos militares, cada vez mais fantasiosos. E as vendas foram caindo. Até o cancelamento da coleção em 94, junto com os quadrinhos, após 155 edições.
O cancelamento foi um choque para toda uma geração de crianças, mas não foi o fim. Várias coleções foram lançadas durante os anos 90, algumas sem nenhuma relação com a mitologia criada pelo Larry Hama, como o GI Joe Extreme, que gerou uma linha de figuras de 5 polegadas, mas com somente 5 pontos de articulação e uma série de desenho animado. Mas não durou. Assim como a outra linha da época, de 4 polegadas, o GI Joe Sgt Savage.
GI Joe Extreme
GI Joe Sgt, Savage
A linha teve alguns relançamentos comemorativos entre 1998 e 2000, mas não voltaria antes de o mundo voltar novamente.
Mas isso é assunto para a parte 4 de nossa série.
Fontes:
Livros
The Complete Encyclopedia to G.I.Joe. Santelmo, Vincent. KP Books, 1993.
Páginas
https://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/08/hasbro-making-world-smile.html
https://dcf.fm/pt/blogs/blog/has-history-mission-ownership
https://en.wikipedia.org/wiki/G.I._Joe#:~:text=Stan%20Weston's%20original%20design%20(1963),-Original%20G.I.%20Joe&text=The%20original%20idea%20for%20the,of%20a%20military%20action%20figure.
Documentários
The Story Of America's Movable Fighting Man, Mitch Lieding, 2002
Brinquedos Que Marcam Época (The Toys That Made Us). Netflix, 2019
Brinquedos Que Mudaram o Mundo (The Toys That Built America). History Channel, 2021
E as vozes na minha cabeça, claro.
ZAP